A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que provas obtidas de celulares sem adoção de procedimentos que assegurem a idoneidade e integridade dos dados extraídos são inadmissíveis no processo penal. A decisão fundamenta-se na vulnerabilidade das provas digitais a alterações, inclusive de maneira imperceptível, exigindo, portanto, maior cuidado na custódia e tratamento para manter sua confiabilidade.
Neste julgamento específico, a turma considerou inadmissíveis os prints de WhatsApp obtidos pela polícia em um celular, usados em uma investigação sobre uma organização criminosa. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) havia validado as provas e condenado o réu a quatro anos e um mês de prisão, argumentando que não havia indícios de manipulação dos dados extraídos do celular.
A defesa recorreu ao STJ, alegando que a extração dos dados deveria ter sido realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), e não pelo Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), para assegurar a legitimidade da prova. O ministro Joel Ilan Paciornik, relator do habeas corpus, destacou a importância de documentar todas as fases do processo de obtenção das provas digitais. Ele afirmou que a polícia deve adotar metodologias tecnológicas que garantam a integridade dos elementos extraídos e registrar todas as etapas da cadeia de custódia, assegurando a autenticidade e integralidade dos dados.
A cadeia de custódia é um conceito fundamental no direito processual penal, especialmente no que diz respeito às provas digitais. Ela envolve um conjunto de procedimentos que visam garantir que a evidência recolhida permaneça inalterada desde o momento de sua coleta até sua apresentação em juízo. O objetivo é assegurar que a prova seja autêntica e confiável, permitindo que sua integridade não seja questionada durante o processo judicial.
O artigo 158-A do Código de Processo Penal (CPP) brasileiro define a cadeia de custódia como “o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte“. Isso inclui etapas de reconhecimento, coleta, acondicionamento, transporte, armazenamento, processamento e apresentação das provas.
A cadeia de custódia deve ser rigorosamente observada para evitar a contaminação ou manipulação das provas, o que poderia comprometer a veracidade dos elementos apresentados e prejudicar a justiça. No contexto das provas digitais, isso é ainda mais crítico devido à facilidade com que podem ser alteradas.
Procedimentos Recomendados para Garantir a Integridade das Provas Digitais
1. Autorização judicial: é necessário que a autoridade policial tenha autorização expressa do Judiciário para acessar o conteúdo digital, principalmente do que fora apreendido em buscas e/ou sequestros. Todas as etapas do processo de obtenção das provas digitais devem ser meticulosamente documentadas, desde o reconhecimento até a apresentação em juízo.
2. Metodologias Tecnológicas: a polícia deve adotar metodologias tecnológicas adequadas que garantam a integridade dos elementos extraídos.
3. Geração de Código Hash: durante qualquer manipulação de dados digitais, deve ser gerado um “código hash”. Este procedimento técnico permite rastrear a história cronológica do vestígio e comprovar sua integridade.
4. Cópia Forense Integral: assegurar que a autoridade policial responsável pela apreensão de um dispositivo eletrônico faça uma cópia forense integral do conteúdo, antes de qualquer análise, para preservar a prova original.
No caso em questão, a análise dos dados foi feita por consulta direta ao celular, sem uso de máquinas extratoras, o que inviabilizou a conferência da idoneidade das provas. O software usado pela Polícia Civil do Rio Grande do Norte não conseguia ler o dispositivo, quebrando a cadeia de custódia e tornando a prova digital imprestável.
Desta forma, o relator, ministro Joel Ilan Paciornik, apontou que a quebra da cadeia de custódia causou prejuízos evidentes e tornou a prova digital imprestável para o processo. Acompanhando o voto do relator, a Quinta Turma concedeu o habeas corpus e determinou que o juízo de primeira instância avalie outras provas capazes de sustentar a condenação.
O STJ entende que é possível preservar a autenticidade, integridade e confiabilidade das provas digitais, evitando que sejam consideradas inadmissíveis no processo penal, desde que os procedimentos adequados sejam rigorosamente seguidos.
Fonte: STJ AgRg no HC 828054-RN
Odilon de Oliveira Júnior é advogado.