A Black Friday no Brasil em 2025: cenário e riscos
A Black Friday deixou de ser apenas uma data forte de vendas e se tornou, no Brasil, um verdadeiro campo de teste para o Direito do Consumidor. Em 2025, o evento ocorre em um ambiente em que o comércio eletrônico está mais maduro, a logística é rápida, os meios de pagamento são instantâneos e a experiência de compra está mais fluida. Ao mesmo tempo, a criminalidade digital ficou mais sofisticada, usando inteligência artificial, automação e engenharia social em larga escala.
Ao longo de anos, práticas enganosas deram origem ao termo “Black Fraude”, que alimenta a desconfiança do consumidor brasileiro. O problema não se limita mais a anúncios exagerados ou sites malfeitos. Hoje há clones praticamente idênticos de grandes varejistas, campanhas de phishing que copiam o histórico de navegação do usuário e deepfakes de celebridades “endossando” promoções inexistentes.
Esse contexto exige um olhar combinado: jurídico, tecnológico e comportamental. Conhecer as fraudes, dominar os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e usar corretamente os mecanismos de solução de conflitos é o caminho para atravessar a Black Friday 2025 com segurança.
Tipos de fraudes mais comuns na Black Friday 2025
Maquiagem de preços e a persistência da “Black Fraude”
A prática da maquiagem de preços continua sendo uma das principais reclamações. A lógica é simples: semanas antes da Black Friday, alguns fornecedores elevam gradualmente o preço do produto. No dia do evento, anunciam um grande “desconto”, que na realidade apenas devolve o valor ao patamar original ou até o deixa mais caro.
Do ponto de vista jurídico, trata-se de publicidade enganosa, vedada pelo Art. 37 do CDC. A oferta precisa representar vantagem econômica real. Se a empresa cria um “desconto” fictício a partir de preço inflado, viola o dever de boa-fé e transparência. A prova dessa conduta é feita com histórico de preços, capturas de tela, uso de comparadores e extensões de navegador.
Quando há comprovação, o consumidor pode exigir o cumprimento da oferta verdadeira, o abatimento do valor ou a devolução em dobro do que foi cobrado a maior (repetição do indébito), além de eventual indenização por danos morais e aplicação de sanções administrativas pelos órgãos de defesa do consumidor.
Fraudes tecnológicas com uso de Inteligência Artificial
O salto qualitativo das fraudes em 2025 está na utilização massiva de inteligência artificial para personalizar ataques.
Phishing hiperpersonalizado
Ferramentas de IA analisam buscas recentes, sites visitados, interações em redes sociais e até padrões de consumo. A partir desses dados, criminosos enviam mensagens que reproduzem fielmente o visual e o tom de voz das lojas que o consumidor realmente acessou. O e-mail ou a mensagem direta no aplicativo chega com a oferta exata do produto pesquisado, com preço tentador e link para um site falso.
Erros grosseiros de português e design, antes indicativos de golpe, deixaram de ser regra. As mensagens se tornaram praticamente indistinguíveis das comunicações oficiais.
Deepfakes de voz e vídeo
Vídeos e áudios criados por IA reproduzem imagem e voz de influenciadores, celebridades ou jornalistas anunciando supostas “promoções secretas”, “erros de sistema” ou “estoques limitados”. A sincronização labial precisa e o timbre de voz convincente criam uma sensação de legitimidade.
O consumidor, ao reconhecer a figura pública, tende a relaxar sua vigilância. No entanto, o link ou QR Code associado ao vídeo direciona para sites falsos ou pagamentos via Pix em contas de terceiros.
Clonagem de sites, spoofing e Pix como isca
Outra técnica recorrente é o spoofing: a criação de cópias integrais de sites de grandes varejistas, hospedadas em domínios com pequenas alterações. Visualmente, o site falso é “idêntico”: mesmas cores, logotipo, layout e até chat de atendimento, muitas vezes operado por chatbots de IA.
Em geral, esses sites limitam a forma de pagamento ao Pix, oferecendo um desconto adicional para quem optar por essa modalidade. O objetivo é evitar os mecanismos de contestação das operadoras de cartão de crédito e garantir liquidez imediata ao golpista.
A análise da URL, a verificação do cadeado de segurança, a checagem do CNPJ e o uso de ferramentas como o Registro.br passam a ser passos essenciais antes de concluir qualquer compra.
Frete abusivo e cobrança oculta
Além de fraudes criminosas, práticas comerciais abusivas também prejudicam o consumidor. O frete abusivo ocorre quando o fornecedor anuncia um preço muito baixo para o produto, mas compensa a margem de lucro cobrando um valor de entrega exagerado no momento do checkout.
O CDC exige que todas as despesas sejam informadas de forma clara antes da decisão de compra. Se o frete é desproporcional, sem justificativa razoável, e serve apenas para mascarar o preço final, há violação do princípio da transparência e possibilidade de caracterização de vantagem manifestamente excessiva.
Direitos fundamentais do consumidor aplicados à Black Friday
Transparência, publicidade e vinculação da oferta
A pedra de toque da proteção do consumidor é o direito à informação adequada e clara (Art. 6º, III, CDC). Em termos práticos:
- toda publicidade suficientemente precisa integra o contrato e vincula o fornecedor (Art. 30);
- o fornecedor é obrigado a cumprir o que prometeu em anúncios, banners, e-mails e descrições de produto;
- restrições relevantes (quantidade limitada, prazo, área de entrega) precisam ser destacadas com a mesma evidência da oferta.
Quando há divergência de preço entre o anunciado e o apresentado no carrinho ou no caixa, prevalece o menor valor. Fotos, prints e registros de tela são provas importantes.
Direito de arrependimento em compras online
O Art. 49 do CDC garante ao consumidor o direito de arrependimento em compras realizadas fora do estabelecimento físico, como internet, telefone ou aplicativos. O prazo é de 7 dias, contados da assinatura do contrato ou do recebimento do produto.
Pontos essenciais:
- o consumidor não precisa justificar o arrependimento;
- a devolução deve ser integral, incluindo frete;
- a logística reversa (custos de devolução) é responsabilidade do fornecedor;
- cláusulas que imponham taxa para devolução em caso de arrependimento são nulas.
Na Black Friday, esse direito funciona como mecanismo de proteção contra compras por impulso ou motivadas por pressão psicológica de contadores regressivos e “ofertas por tempo limitado”.
Venda sem estoque e cumprimento forçado da oferta
Ofertar produto sem estoque suficiente, cancelar unilateralmente a compra após confirmação de pagamento ou alegar “erro de sistema” para não honrar preço anunciado são condutas que ferem o CDC.
Nessas situações, o consumidor pode, com base no Art. 35, escolher entre:
- exigir o cumprimento forçado da oferta;
- aceitar outro produto equivalente;
- rescindir o contrato com devolução do valor atualizado, sem prejuízo de perdas e danos.
A jurisprudência reconhece que o cancelamento injustificado, especialmente em datas sensíveis, pode gerar dano moral, pela frustração da legítima expectativa.
Garantias legais, contratuais e estendidas
Em produtos duráveis (eletrônicos, eletrodomésticos, móveis), o consumidor conta com:
- garantia legal de 90 dias (Art. 26, II, CDC), independentemente de termo escrito;
- garantia contratual, oferecida pelo fabricante ou lojista, que se soma à legal;
- garantia estendida, normalmente estruturada como contrato de seguro.
Em caso de vício, o fornecedor tem 30 dias para sanar o defeito. Não o fazendo, o consumidor pode optar entre substituição, devolução do valor ou abatimento proporcional. Para produtos essenciais, a exigência de solução pode ser imediata.
Responsabilidade civil na cadeia de consumo digital
Marketplaces e responsabilidade solidária
Plataformas como grandes marketplaces não são meros “quadros de aviso”. Em regra, recebem comissões, processam pagamentos, organizam a vitrine digital, indicam reputação de vendedores e, muitas vezes, assumem a logística.
Por isso, a jurisprudência tem reconhecido a responsabilidade solidária dessas plataformas, com base na teoria do risco do empreendimento e nas previsões do CDC sobre cadeia de fornecimento. Para o consumidor, pouco importa se o vendedor é um terceiro alojado na plataforma: ele confia na marca do marketplace.
A responsabilização tende a ser afastada apenas quando o próprio consumidor, ciente dos riscos, opta por concluir a transação fora da plataforma, realizando pagamentos diretos via Pix ou transferência sem utilizar os meios oficiais disponibilizados.
Influenciadores digitais como fornecedores por equiparação
Influenciadores que divulgam produtos, serviços, “cursos” ou investimentos assumem função relevante na decisão de compra do público. Quando recebem remuneração, comissões ou benefícios para recomendar determinado produto, aproximam-se da figura de fornecedor por equiparação.
Se promovem, sem diligência mínima, ofertas fraudulentas, esquemas de enriquecimento rápido ou produtos de baixa qualidade, podem ser responsabilizados civilmente por publicidade enganosa ou abusiva. A responsabilidade pode ser subjetiva (negligência) ou objetiva, dependendo da intensidade da parceria e da forma de participação na cadeia de consumo.
Bancos, fintechs e fraudes de pagamento
Instituições financeiras respondem objetivamente por falhas de segurança em operações bancárias. Quando contas são abertas sem controle adequado e utilizadas para receber recursos de golpes, há falha de serviço. O consumidor pode responsabilizar o banco do fraudador, especialmente quando há indícios de fragilidade nos mecanismos de prevenção.
Da mesma forma, falhas em sistemas de autenticação, vazamento de dados ou ausência de ferramentas de monitoramento podem gerar dever de indenizar.
Ferramentas práticas de defesa e solução de conflitos
Mecanismo Especial de Devolução (MED) do Pix
O Mecanismo Especial de Devolução, criado pelo Banco Central, permite recuperar valores enviados via Pix em situações de fraude ou falha operacional.
Pontos centrais:
- o consumidor deve registrar a reclamação em até 80 dias após a transação;
- o pedido deve ser feito pelos canais oficiais do banco (app, SAC, ouvidoria);
- havendo indícios de fraude, o banco do recebedor bloqueia cautelarmente os valores;
- confirmada a fraude, o dinheiro é devolvido ao pagador, se houver saldo na conta do destinatário.
O MED não se aplica a simples insatisfação com o produto ou serviço. É instrumento voltado a ilícitos, como golpes e invasões de conta.
Plataforma Consumidor.gov.br
A plataforma Consumidor.gov.br permite a interação direta entre consumidores e empresas participantes. O procedimento é totalmente online.
O consumidor registra a reclamação, a empresa responde em prazo determinado e, ao final, o consumidor avalia o atendimento. Além de resolver conflitos, os registros geram estatísticas relevantes para a atuação dos órgãos de fiscalização.
Site oficial: consumidor.gov.br.
Procons e atuação administrativa
Procons estaduais e municipais recebem reclamações individuais, instauram procedimentos administrativos e podem aplicar multas, realizar fiscalizações e expedir recomendações. Embora não condenem ao pagamento de danos morais, suas decisões têm peso na construção de políticas públicas e na repressão de práticas reiteradas.
Juizados Especiais Cíveis e judicialização
Se a via administrativa não resolve, o caminho é o Juizado Especial Cível, para causas até 40 salários mínimos. Até 20 salários mínimos, o consumidor pode ingressar sem advogado; acima disso, é necessária representação jurídica.
Além de pedir devolução de valores e cumprimento de oferta, é possível pleitear indenização por danos morais, especialmente em situações em que há perda relevante de tempo, frustração grave e desrespeito às tentativas de solução amigável.
Checklist de segurança para a Black Friday 2025
Boas práticas antes, durante e depois da compra
- Verificar o domínio do site e conferir se é o oficial.
- Usar comparadores de preço para identificar maquiagem de desconto.
- Evitar links recebidos por mensagem ou e-mail, acessando a loja digitando o endereço no navegador.
- Preferir cartão virtual ou carteiras digitais em vez de inserir diretamente os dados do cartão físico.
- Conferir os dados do beneficiário antes de pagar via Pix.
- Desconfiar de ofertas com urgência extrema e descontos fora da realidade.
- Guardar e organizar prints, comprovantes de pagamento, contratos e e-mails.
Links e canais úteis
- Consumidor.gov.br – resolução administrativa de conflitos: consumidor.gov.br
- Banco Central – informações sobre Pix e MED: bcb.gov.br
- Procons estaduais – listas de sites não recomendados e orientações locais
- Registro.br – consulta de domínios .br: registro.br
- Plataformas de reputação (como Reclame Aqui) – histórico de atendimento das empresas
Perguntas frequentes sobre Black Friday, fraudes e direitos
1. Se eu perceber que o desconto da Black Friday é falso, o que posso fazer?
Registrar provas (prints do preço antes e durante a promoção, histórico em comparadores de preço) e reclamar junto à loja, ao Procon e à plataforma Consumidor.gov.br. Havendo dano econômico, é possível buscar devolução em dobro do valor pago a mais, além de outros pedidos com base no CDC.
2. Recebi uma oferta por mensagem com link para pagamento via Pix. Como saber se é legítima?
O procedimento seguro é acessar o site oficial da empresa digitando o endereço no navegador e buscar a mesma oferta. Jamais confiar em links encurtados ou em domínios estranhos. Antes de pagar via Pix, verificar se o beneficiário é a pessoa jurídica correspondente à loja, e não um CPF aleatório.
3. Posso me arrepender da compra feita na Black Friday?
Sim. Em compras online ou fora do estabelecimento, o direito de arrependimento de 7 dias se aplica normalmente, independentemente de promoção. A devolução deve ser integral, incluindo frete, e os custos de logística reversa são do fornecedor.
4. A loja cancelou minha compra alegando “erro de sistema” no preço. Sou obrigado a aceitar?
Não necessariamente. O CDC permite que você exija o cumprimento da oferta, outro produto equivalente ou a devolução do valor pago com correção. Cada caso exige análise concreta, mas o cancelamento automático, sem diálogo, tende a ser mal visto pelos tribunais.
5. Fui vítima de golpe via Pix durante a Black Friday. Ainda consigo recuperar o dinheiro?
Se o pagamento foi recente e enquadrado como fraude, é possível acionar o banco para utilizar o MED do Pix. O pedido deve ser imediato. Embora não haja garantia absoluta de recuperação, o mecanismo aumenta significativamente as chances de ressarcimento.
6. O marketplace diz que não é responsável, porque o vendedor é “terceiro”. Isso procede?
Em regra, não. Marketplaces costumam integrar a cadeia de consumo e responder solidariamente com o vendedor, já que lucram com a operação e participam da intermediação. A responsabilidade pode ser afastada apenas em hipóteses específicas, como quando o próprio consumidor desvia a transação para fora da plataforma.
7. Vale a pena acionar o Juizado Especial por problema de Black Friday?
Quando o dano material ou moral é relevante e não houve solução administrativa, o Juizado Especial é via adequada. O procedimento é mais simples e rápido que o processo comum, especialmente em causas de menor valor.
Conclusão: consumo digital com responsabilidade e proteção jurídica
A Black Friday 2025 sintetiza o choque entre tecnologia e vulnerabilidade humana. As mesmas ferramentas que facilitam a compra — inteligência artificial, automação, pagamentos instantâneos — também são usadas para enganar, manipular e capturar dados.
O arcabouço jurídico brasileiro oferece instrumentos robustos: Código de Defesa do Consumidor, responsabilidade solidária na cadeia de fornecimento, mecanismos de devolução de valores, plataformas públicas de resolução de conflitos e acesso facilitado ao Judiciário. Contudo, esses instrumentos só produzem efeito quando o consumidor reage de forma informada, registra provas, utiliza os canais oficiais e aciona, quando necessário, apoio jurídico especializado.
A combinação de atenção, ceticismo saudável e conhecimento dos próprios direitos transforma a Black Friday em oportunidade real de consumo consciente, e não em terreno fértil para frustração e prejuízo.
Procure orientação jurídica especializada e evite decisões precipitadas.
Odilon de Oliveira Júnior é advogado (OAB/MS 11.514).

